No início de 2025, o Brasil deu um passo decisivo ao consolidar a Reforma Tributária sobre o consumo, encerrando uma discussão que já se arrastava há anos e trazendo um novo modelo de tributação para bens e serviços.
Ao mesmo tempo, é natural que empresários e profissionais fiquem inquietos: a reforma mexe na forma de calcular tributos, no aproveitamento de créditos, na arrecadação entre estados e municípios e até na lógica operacional dos sistemas de emissão de documentos fiscais.
Neste artigo, a WorthTec explica o assunto de forma simples, organizada e prática, para você entender o cenário e se preparar com segurança.
O que é a nova Reforma Tributária?
A Reforma Tributária é um conjunto de regras que promove mudanças relevantes na tributação do consumo (bens e serviços) no Brasil, com base principalmente na Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025.
Em outras palavras: ela revisa o modelo atual de impostos ligados a consumo e serviços, criando um novo sistema inspirado no IVA (Imposto sobre Valor Agregado/Adicionado).
Importante: a reforma tratada aqui é voltada ao consumo. Tributos sobre renda e patrimônio não fazem parte deste pacote principal (embora existam discussões paralelas em outros textos).
Cronologia (resumo)
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Emenda Constitucional nº 132 – 20 de dezembro de 2023
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Projeto de Lei Complementar nº 68 – abril de 2024
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Lei Complementar nº 214 – janeiro de 2025
Quais são os objetivos da Reforma Tributária?
1) Simplificar o sistema tributário
Hoje, o sistema brasileiro é conhecido pela complexidade: regras diferentes por estado, múltiplos regimes, exceções e obrigações acessórias que consomem tempo e dinheiro.
A proposta é que o novo modelo reduza o custo administrativo e torne a apuração mais clara — com destaque para a não cumulatividade (uso de créditos ao longo da cadeia).
2) Promover justiça fiscal (tributação no destino)
No modelo atual, a arrecadação costuma favorecer a origem (onde está o fornecedor). A reforma reforça o princípio do destino (onde está o consumidor), redistribuindo a arrecadação para os locais de consumo.
3) Estimular o desenvolvimento econômico
A expectativa é que a redução de ineficiências e disputas entre entes federativos melhore o ambiente de negócios, reduzindo “atritos” que hoje encarecem a operação das empresas.
Por que a reforma é considerada necessária?
Complexidade elevada
O Brasil tem um dos sistemas mais fragmentados do mundo: cada estado e município pode ter regras específicas, o que aumenta muito a dificuldade de operar em mais de uma região.
Guerra fiscal
A disputa por arrecadação, principalmente entre estados, é intensificada pela lógica atual de tributação na origem.
Cumulatividade (tributo sobre tributo)
Um dos grandes pilares da reforma é reduzir a cobrança “em cascata” e fortalecer a não cumulatividade, permitindo que impostos pagos anteriormente gerem créditos (dentro das regras previstas).
O que muda com a Reforma Tributária?
A principal mudança é a criação do IVA (Imposto sobre Valor Adicionado), que substitui vários tributos atuais por um modelo mais unificado.
Na prática, o IVA será dividido em dois tributos:
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IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) – de competência estadual e municipal
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CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) – de competência federal
Além disso, surge o:
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IS (Imposto Seletivo), conhecido como “imposto do pecado”, aplicado a produtos considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
O que é IVA?
O IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) é um modelo usado em vários países e funciona, em essência, assim:
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o imposto incide apenas sobre o valor adicionado em cada etapa da cadeia (produção → distribuição → varejo),
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com possibilidade de aproveitamento de créditos dos tributos pagos nas etapas anteriores (seguindo regras do sistema).
Segundo a proposta descrita, tributos como ICMS, ISS, PIS, COFINS e parte da lógica do IPI tendem a ser substituídos/reestruturados nesse novo modelo, agora organizado entre IBS e CBS (com transição gradual).
O que é IBS?
O IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) é o tributo estadual/municipal que vai substituir ICMS e ISS.
Principais pontos:
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Padronização nacional: diferente do ICMS atual, que muda bastante de estado para estado.
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Implementação gradual: a transição ocorre ao longo de alguns anos, convivendo com ICMS e ISS por um período.
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Alíquota: há referências a uma alíquota “padrão” estimada (como 17,7% em alguns materiais), mas o ponto central é que as alíquotas efetivas e limites dependem das regras finais e resoluções aplicáveis.
Na prática: o IBS tende a reduzir a “colcha de retalhos” estadual/municipal, mas a transição exige atenção porque haverá período com regras convivendo.
O que é CBS?
A CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) é o tributo federal que substitui o PIS e a COFINS.
Principais pontos:
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busca ter uma lógica mais simples do que os regimes atuais,
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com alíquota de referência citada em alguns materiais (como 8,4%), ainda sujeita a ajustes conforme definições e limites legais aplicáveis.
O que é IS (Imposto Seletivo), o “Imposto do Pecado”?
O Imposto Seletivo (IS) tem uma função extrafiscal: desestimular o consumo de itens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
Exemplos comumente citados:
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cigarros,
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bebidas alcoólicas,
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produtos altamente açucarados,
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veículos com alto potencial poluente, entre outros.
As alíquotas variam por produto e devem ser definidas por normas específicas.
O que muda em 2025?
Em 2025, a orientação geral é: não há mudança imediata na tributação do dia a dia (cobrança de IBS/CBS), porque a transição começa a partir de 2026, com implementação gradual até 2033.
O que acontece em 2025 é principalmente o movimento de preparação:
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adequações técnicas,
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atualizações de regras,
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notas técnicas,
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criação/ajuste de campos e validações em documentos fiscais,
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planejamento de sistemas públicos e privados para a fase de testes.
Cronograma de transição (visão prática)
A reforma foi desenhada para acontecer aos poucos. Um resumo, baseado no cronograma mais divulgado:
2026 — início de testes
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Início da fase de testes e adaptação dos documentos fiscais.
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CBS com alíquota de teste (ex.: 0,90% em alguns materiais).
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IBS com alíquota de teste (ex.: 0,10% voltada aos estados).
2027 e 2028 — consolidação de CBS e mudanças federais
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Extinção de PIS e COFINS (na proposta).
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CBS passa a uma alíquota cheia de referência (ex.: 8,40%), com possibilidade de ajustes conforme definições oficiais.
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IBS segue em implantação gradual (com percentuais divididos entre estado e município em materiais explicativos).
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IPI tende a ter alíquota reduzida a zero, permanecendo para casos específicos como incentivos da Zona Franca de Manaus (conforme o desenho divulgado).
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IS começa a ser aplicado em produtos definidos.
2029 a 2032 — redução progressiva de ICMS/ISS e aumento do IBS
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ICMS e ISS passam a reduzir gradualmente.
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IBS aumenta gradualmente no mesmo período.
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É nessa fase que o mercado tende a enxergar melhor as alíquotas efetivas do novo sistema.
2033 — conclusão da transição
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ICMS e ISS são extintos.
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O consumo estadual/municipal passa a ser tributado integralmente via IBS.
Dica: trate o cronograma como “mapa”. Os detalhes operacionais podem variar conforme regulamentações, resoluções e regras específicas por setor.
Quais podem ser os impactos da Reforma Tributária?
1) Fluxo de caixa
O modelo de créditos (não cumulatividade) pode alterar:
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o momento em que sua empresa paga tributos,
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o momento em que recupera créditos,
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e o impacto no capital de giro.
Alguns setores (especialmente serviços) podem sentir mudanças mais perceptíveis, dependendo das alíquotas efetivas e do regime de créditos.
2) Impacto para o consumidor
Com tributação no destino e maior transparência, pode haver mudanças na forma como o imposto aparece no preço — e, em algumas situações, o consumidor pode perceber com mais clareza o quanto paga de tributos no momento da compra.
3) Revisão de benefícios fiscais
Como a ideia é ter base ampla e regras mais uniformes, vários benefícios tendem a ser revistos, o que pode exigir adaptação operacional e estratégica.
4) Menos “tributo sobre tributo”
A não cumulatividade reduz o efeito cascata, o que pode melhorar a racionalidade do custo tributário na cadeia — mas exige documentos fiscais bem preenchidos.
5) Mudança em obrigações acessórias e rotinas
Há expectativa de simplificação de algumas entregas e processos no médio prazo, mas durante a transição pode haver convivência de modelos e aumento temporário de atenção/controle.
E o Simples Nacional? Como fica?
Esse é um dos pontos que mais geram dúvidas.
A proposta amplamente divulgada é que empresas do Simples Nacional poderão ter alternativas:
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permanecer no modelo atual, ou
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optar por um modelo que permita o aproveitamento de créditos (para a empresa e/ou para seus clientes), conforme regras e janelas de opção.
A escolha tende a ser periódica (por exemplo, semestral, conforme materiais explicativos), e pode começar a ser possível a partir do período inicial de implantação.
Na prática: para empresas do Simples, a decisão deve ser estratégica. Dependendo do perfil de cliente (se ele precisa de crédito), isso pode afetar competitividade e formação de preço.
Novos termos que você vai ouvir cada vez mais
Apuração assistida
A proposta prevê um ambiente/portal nacional com mais transparência de:
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débitos,
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créditos,
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valores apurados,
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e cruzamentos.
Isso aumenta a importância de emitir documentos fiscais com cadastros e regras corretas, porque “ajustes posteriores” tendem a ficar mais limitados.
Split Payment
A lógica do split payment é: no pagamento de uma venda, uma parte do valor já é direcionada ao governo automaticamente.
Isso demanda integração com bancos e sistemas e pode impactar o fluxo financeiro conforme vier a ser implementado.
Portal de conformidade
Uma visão prática: a empresa pode acompanhar se seus fornecedores estão “em dia”, porque o direito ao crédito pode ficar condicionado a etapas de conformidade/liquidação, conforme o modelo que venha a ser aplicado.
Por que a emissão fiscal correta vai ficar ainda mais estratégica?
Com mais foco em créditos e rastreabilidade, a gestão fiscal deixa de ser apenas “emitir nota” e vira uma peça direta de:
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controle de custos
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previsibilidade de caixa
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conformidade
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evitar autuações
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evitar perda de crédito
Ou seja: produto, NCM, CFOP, CST/CSOSN, regras de tributação, cadastros e integrações precisam estar redondos.
Checklist prático para empresas se prepararem (sem complicar)
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Converse com sua contabilidade sobre impactos por setor e regime
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Revise cadastro de produtos/serviços (NCM, origem, tributação, natureza de operação)
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Mapeie operações críticas (venda interestadual, ST, consumidor final, marketplace, prestação de serviços etc.)
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Acompanhe atualizações e notas técnicas dos documentos fiscais
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Mantenha seu sistema atualizado para suportar novos campos e validações
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Simule impactos de caixa (créditos, prazos, mudanças de alíquota)
Conclusão
A Reforma Tributária promete simplificar e modernizar o sistema de tributação do consumo, mas a transição exige atenção: haverá convivência de regras, mudanças graduais e novos conceitos que impactam o dia a dia das empresas.
A melhor postura agora é informação + preparação: revisar cadastros, alinhar processos com a contabilidade e manter seus sistemas prontos para a evolução dos documentos fiscais.


